sexta-feira, novembro 27, 2015

COM LICENÇA, JARDIM!

COM LICENÇA, JARDIM!

Não vejo folhas, apenas garranchos e, nesse emaranhado de rabiscos da natureza, leio que Deus escreve certo por linhas tortas. Chego devagar, passo debaixo de algumas árvores velhas, sedentas e caídas, que parecem ter ido embora, buscar água, a algumas léguas. O espírito da vida voltará e sustentará toda raiz, enquanto as nuvens não desfilam cinzentas, no céu de anil. O inverno vai devolver a alma da gente, que a estiagem carregou.
A porteira está aberta, o caminho é íngreme e quem chegar ao alto daquele serrote verá que existe um calvário que sangra esperança. Quando descer, vai notar que essa cruz é a força que move o povo a não desistir. Quem nasceu no Seridó tem músculos treinados por um peso que é suave, por um fardo que é leve (cf. Mt 11,30). É doce viver nesse mártir sertão.
O vento se esconde nas locas das cercas de pedra, para passear, de noite, cochichando pelas calçadas, entre as cadeiras dos que palestram. Quando vão voltando, esses ventos se esfregam nos arames que ainda restam nas estacas, como uma mão que toca as cordas de um bandolim desafinado. Quem já dorme jura escutar o último canto da natureza, para acordar disposto a tocar a vida, nesse tempo, quase impossível da terra.
Com licença, meu sertão. Sou seu filho, de rosto ainda salgado, pelo mar que não naveguei. Não vou arrancar suas flores. Vim da cidade grande para me devolver a esta povoação. Sou um filho deste rincão potiguar. Vou aguar o canteiro dos meus antepassados. Junto daquelas oiticicas, deixei amarrado um jumento. Na sombra das umburanas, vou tirar minha botija, pois aí é meu lugar. Vou bater de porta em porta e desencavar o sorriso que a seca trancou. Se eu chorar, chore comigo e, quem sabe, a chuva chega.
Não tenha medo de mim. Olhe para meu rosto e veja que eu sou a sua cara, a cara do povo que vive nesse jardim. Vim pagar uma promessa e, nessa romaria, vou assoviar um canto de esperança, de amor e de fé.


@gleiberdantas – Rcf, 26/11/15.