quarta-feira, dezembro 02, 2015

Monsenhor Walfredo, 107 anos




MONSENHOR WALFREDO DANTAS GURGEL

Pe. Gleiber Dantas de Melo,

segundo padre da Família Dantas das Oiticicas

 

Pelas 04 horas da tarde do dia 02 de dezembro de 1908, numa quarta-feira, na residência situada à Rua Felipe Guerra, nº. 537, nascia um menino que, no mesmo dia, foi registrado com o nome de Armando Dantas Gurgel, dado à luz no lar de seus pais, o professor Pedro Gurgel do Amaral e Oliveira e Joaquina Dantas Gurgel. 

Pedro Gurgel do Amaral e Oliveira, nasceu no dia 16 de agosto de 1879, na Fazenda São Bento do município de Caraúbas, filho de Vicente Gurgel do Amaral e Joana Francisca Romana. Muito jovem, foi matriculado no Ateneu Norte-Riograndense, em Natal, e conquistou com brilhantismo o seu Diploma de Aluno Mestre, na vigência do Decreto nº. 21 de 04 de abril de 1893. Foi nomeado Professor Público da cidade de Caicó e aqui chegou aos 05 de março de 1899. Foi Diretor do Grupo Escolar “Senador Guerra” desde a sua fundação, em março de 1909, até 28 de fevereiro de 1918, quando requereu sua primeira e última licença do Magistério.

Aqui em Caicó conheceu a jovem Joaquina Clementina Dantas, filha de José Calazâncio Dantas (Cel. Bembém) e Enedina Maria de Sant’Ana, nascida no dia 16 de agosto de 1883, na Fazenda Oiticicas deste município. Ao casar-se com o Professor Pedro Gurgel, passou a assinar-se Joaquina Dantas Gurgel, mas foi como Mãe Quininha que ela ficou para sempre consagrada na história da cidade de Caicó. Quininha, como era carinhosamente chamada por seus familiares, tornou-se a grande mãe de todos os caicoenses porque assistiu ao parto de tantos filhos desta terra e, depois de seu falecimento, para continuar constando no nascimento de seus pósteros, seu nome foi dado à Maternidade de Caicó.

Pedro Gurgel e Quininha casaram-se aos 27 de janeiro de 1900, na Matriz de Sant’Ana de Caicó e receberam do Vigário Emídio Cardoso as bênçãos nupciais. Manoel Gonçalves Valle e Joaquim Vicente Dias de Araújo foram as testemunhas de seu enlace matrimonial, que gerou cinco filhos: 

1. Zózimo nasceu no dia 01 de abril de 1901, casou-se com Elvina Pontes no dia 24 de junho de 1927 e faleceu com 80 anos, em 16 de junho de 1981. 

2. Maria Zenóbia, conhecida como Sinhazinha, nasceu no dia 05 de dezembro de 1902, casou-se com Daniel Duarte Diniz no dia 05 de dezembro de 1916 e faleceu com 88 anos, no dia 22 de dezembro de 1990. 

3. Clotário nasceu no dia 27 de dezembro de 1904 e faleceu ainda criança, com pouco mais de 7 anos, no dia 14 de março de 1912. 

4. Polísia, a quem seus pais teriam dado o nome de Clotildes, nasceu em 21 de novembro de 1906, casou-se com Gentil Homem de Araújo e faleceu no dia 15 de agosto de 1997. Na Pia Batismal, o Cônego Emídio Cardoso, com o consentimento de seus pais, impôs-lhe o nome de Polísia, uma virgem que tinha convertido Santo Emídio, que antes fora ateu e perseguidor da Igreja Católica.

5. Armando, nascido em 02 de dezembro de 1908.

Com menos de um mês, no dia 17 de janeiro de 1909, Armando foi levado à Pia Batismal da Matriz de Sant’Ana de Caicó por seus padrinhos Zózimo Platão de Oliveira Fernandes e sua esposa Antônia de Oliveira Fernandes. Teria sido batizado com o nome de Armando se não fosse o pedido que o mesmo Vigário Emídio Cardoso fez aos seus pais no momento. 

Cônego Emídio Cardoso sugeriu ao Professor Pedro que a criança se chamasse Walfredo, em homenagem ao Monsenhor Walfredo Soares dos Santos Leal, um filho de Areia (PB), nascido aos 21 de fevereiro de 1855, que era o Presidente do Estado da Paraíba naquele momento. O que o Professor Pedro Gurgel não podia imaginar era que o Cônego Emídio Cardoso, com aquela sugestão, estava batizando uma criança que seguiria os passos de seu patrono na vida religiosa e política. O Monsenhor Walfredo Leal participou da Constituinte Estadual de 1892, foi Vice-Presidente do Estado da Paraíba, Deputado Estadual, Deputado Federal e Senador da República. 

No dia 25 de junho de 1909, Walfredo recebeu o Sacramento da Confirmação, conferido por Dom José Tomaz Gomes da Silva, Bispo de Aracaju, quando este era Visitador Diocesano. Seu padrinho de crisma foi o Dr. Alfredo Celso de Oliveira Fernandes. 

Em 31 de março de 1913, Professor Pedro Gurgel e Quininha transferiram-se para a Rua Marquês do Herval, nº. 33, no largo da Matriz de Sant’Ana, onde hoje é a Praça Monsenhor Walfredo Gurgel. Neste mesmo dia, em 1918, a sociedade de Caicó perdeu um de seus grandes mestres, exemplo vivo de perseverança e de trabalho. Vitimado pela febre, morria o Professor Pedro Gurgel do Amaral e Oliveira, sepultado no Cemitério Público “São Vicente de Paulo”. Deixou para seus filhos um exemplo: egoísmo, ambição e vaidade não o seduziram; não conheceu o ciúme e o ódio. 

Viúva com menos de 35 anos, Quininha ficou com três filhos em sua companhia: Zózimo, primeiro filho, com 17 anos; Polísia, a terceira filha, com 11 anos; e Walfredo, o caçula, com apenas 9 anos. Sinhazinha, segunda filha, já era casada com Daniel Diniz. A família, que não vivia em riqueza, depois da morte do Professor Pedro, passou a conviver com certas dificuldades. Para manter, formar e encaminhar seus filhos, Quininha viu-se obrigada a trabalhar ainda mais: costurava, fazia flores, confeccionava chapéus, fabricava doces e, acionando uma máquina de cairel, deixava nos tecidos o bom gosto da artista que era, como escreveu sua filha Polísia. Àquela época, já era conhecida parteira no Caicó, mas não usou seu trabalho de parteira para amealhar dinheiro, pois outro não era seu desejo senão servir. Quantas vezes voltou à casa de suas parturientes para socorrê-las uma vez mais nas necessidades básicas, movida pelo impulso de sua fé operante. Mulher religiosa que era, católica praticante, participou da fundação do Apostolado da Oração da Matriz de Sant’Ana de Caicó, em 1899. 

Com a morte do Professor Pedro, o Coronel Bembém queria levá-los para a Fazenda Oiticicas, mas sua filha Quininha não aceitou a proposta porque os estudos dos filhos seriam prejudicados. Ficou combinado que viriam da fazenda para serem vendidos: bananas, batatas, jerimuns, açúcar refinado, peixe e outros eventuais produtos. Nesse período, Walfredo é aluno do Grupo Escolar Senador Guerra, quando começam a destacar-se seus dotes de inteligência e desenvoltura para as letras. Nas folgas escolares, aquele menino gorducho e corado fazia a distribuição das bananas e demais produtos para colaborar com a manutenção de sua família. 

Walfredo queria ser padre, mas sua mãe não se encontrava em condições para enviá-lo ao Seminário e arcar com as despesas. Mãe Quininha, no entanto, não esperava que seu filho Walfredo pediria pessoalmente ao Bispo Diocesano para ser matriculado no Seminário São Pedro. Dom José Pereira Alves, Bispo de Natal, em 1920, em Visita Pastoral, viera a Caicó e o menino Walfredo lhe expôs o desejo de ser sacerdote. Dom José imediatamente procurou Mãe Quininha e acertou com ela que, no dia 01 de fevereiro de 1921, seria o ingresso de Walfredo no Seminário, em Natal. Recebeu a batina no dia 03 de fevereiro de 1921. Em 1925, no Seminário São Pedro, ali era professor de latim da turma iniciante. Ao terminar o Seminário Menor, seria contemplado com uma bolsa de estudos para cursar filosofia e teologia em Roma, no Colégio Pio-Latino AmericanoSua viagem para Roma foi marcada para o dia 16 de abril, a bordo do vapor Mosella, acompanhando Dom José Lopes, então Bispo de Pesqueira. Foi combinado que a família faria uma contribuição anual de um conto de réis. 

Walfredo, com 17 anos, chegou a Roma na manhã do dia 15 de maio de 1926. O que ele escreveu no verso da fotografia que enviou para sua boa mãe, a quem pediu a bênção em nome de Cristo, nos faz entender e admirar a convicção daquele jovem seminarista: “Estuda, Gurgel! Vieste para Roma estudar e não contemplar as ruínas desta velha cidade dos Césares. Estuda com coragem para que melhor sirvas à tua religião e à tua Pátria. Não perder tempo, pois o tempo é ouro. Lembra-te sempre dos sacrifícios de tua mãe e da tua Diocese. Estuda! Estuda!”. No Pio-Latino, seu número era 68 e pertencia à 5ª. divisão, onde haviam mais quatro brasileiros. Passavam as férias escolares em Montenero, um distrito montanhoso da cidade de Livorno

Das cartas que ele escreve para sua mãe sobressalta-nos a fé com que vive a sua vocação e com a qual procura compreender todos os acontecimentos que chegam ao seu conhecimento. Quer saber se há inverno no sertão! Escreve e dá detalhadas notícias para que os seus não fiquem preocupados com ele e saibam como é o seu cotidiano. Deseja saber de tudo quanto acontece na sua diocese, na sua cidade e na sua família, mas não como um curioso e, sim, como alguém que, mesmo distante, se sente na responsabilidade de zelar pelos seus. Por isso, oferece suas orações, pois de outra forma não pode chegar aos noticiados. Em algumas correspondências, o seminarista Walfredo pede que, se possível for, envie cocadinhas, café, fotografias e cigarros, mas adverte à mãe que não se sacrifique para lhe enviar dinheiro. Que ela trabalhe pouco para conservar por mais tempo a saúde.

Suas correspondências são repletas de lições, como este trecho da carta de 09 de fevereiro de 1930, em que ele diz: “Envio-lhe hoje uns versos, que fiz num dia de muita tristeza; voltava de um de nossos passeios obrigatórios e, achando-me triste, comecei a escrevê-los para lhe mandar; depois pensei que mandando assim, poderia causar-lhe tristezas. Deixei para mandar depois, num dia em que me encontrasse alegre. Mamãe bem deve saber que há dias em que o espírito humano se deixa abater facilmente pela nostalgia e pelas saudades daqueles seres que, pela mesma lei natural, se acham mais vizinhos de noss’alma. É, pois, natural que também eu tenha as minhas horas de abatimento.

Não fique, porém, pensando que uma nuvem de angústias cobre o céu de minha existência aqui; ao contrário, vivo muito satisfeito em ter vindo estudar aqui e em haver abraçado a vida eclesiástica. Se não houvesse seguido a minha vocação, não sei o que seria hoje de mim; talvez um destes jovens corrompidos que não pensam em Deus, nem têm dignidade social. Louvado seja o Senhor que, em hora de muito amor, me chamou a abraçar a sua cruz santíssima!”.

Nestas horas de nostalgia, Walfredo, distante de sua pátria e de sua família, colocava em palavras seus sentimentos. Escrever poemas era um meio para amenizar a saudade. Muitas de suas poesias foram copiadas num só volume, que ele mandou encadernar e enviou para seu irmão Zózimo, em 01 de abril de 1930, como lembrança de aniversário. A este livrinho, como classificou, deu o nome de “Lágrimas e Risos”. 

Seus escritos revelam o homem de cultura que vem sendo formado naquele ambiente sagrado que convidava à oração e à sabedoria. Na carta que ele escreve à sua mãe, em 16 de março de 1930, diz que ultimamente tem sido invadido por um grande amor aos livros: “Eu vejo a grande necessidade de me instruir bem agora, porque não sei se minhas preocupações depois me deixarão tempo para seguir estudando sempre. Quanto melhor um se prepara espiritual e cientificamente, maior será o fruto do apostolado, sobretudo num país como o nosso, onde a gente já não é ignorante. É verdade que a formação do espírito deve preceder a formação intelectual, mas esta é indispensável no sacerdote; com este fim, talvez não bem compreendido, foi que deixei a pátria amada, para me exilar voluntariamente, longe de todos a quem muito amo, aqui neste centro do catolicismo e da cultura eclesiástica”.

Quanto às suas inegáveis inspirações, seja em poesia ou em prosa, revela-se modesto em relação ao que escreve, conforme escreveu nesta mesma carta: “Eu não sei porque algumas pessoas generosas gostam de ler cartas minhas, uma vez que não procuro nelas traçar páginas de literatura, mas apenas dizer com a maior simplicidade o que sinto e o que vejo, sem muito me preocupar com as flores das descrições bem feitas, nem procurar termos bonitos e linguagem perfeita. É certo que procuro formar-me bem literariamente para me servir depois da literatura como meio de levar mais almas a Cristo, mas numa carta que se escreve para pessoas da família não há muito lugar para divagações literárias. Também os assuntos às vezes não permitem uma bela página, cheia de imaginação e poesia.”

Para Walfredo, a cultura da qual é detentor não está a serviço de seu engrandecimento pessoal ou para culto de sua vaidade, mas tem por finalidade servir o Evangelho. Para compreendermos melhor, basta escutá-lo dizer à sua mãe, na carta de 16 de agosto do mesmo ano de 1930: “Já li muito nestas férias, porque temos muito tempo livre durante o dia e belas sombras de árvores frondosas, onde a leitura nos é agradável e, ao mesmo tempo, útil. Tenho devorado livros franceses, espanhóis e portugueses; todos bons e instrutivos. O Cardeal Leme nos recomendou muita cultura ao lado duma santidade exemplar. O sacerdote santo e culto é o ideal do apóstolo moderno; una-se a ciência à virtude e o homem com maior facilidade levará muitas almas a Cristo. É esta a razão porque procuro aproveitar todos os meus instantes em busca duma formação da vontade e da inteligência”. 

Em Roma, matriculado na Pontifícia Universidade Gregoriana, onde a língua oficial e as aulas eram ministradas em latim, estudou filosofia e teologia com latino-americanos e conviveu com italianos, franceses, ingleses, alemães e espanhóis, conhecendo bem o italiano, o francês e o espanhol. 

Naquela época, os clérigos eram tonsurados. A tonsura consistia num corte redondo dos cabelos no topo da cabeça dos eclesiásticos, mantido regularmente. Walfredo recebeu sua Primeira Tonsura em Roma, na Capela do Seminário Romano, no dia 21 de dezembro de 1929, das mãos do Cardeal Basílio Pompili, Vigário do Santo Padre Pio XI. As ordens de Ostiário e Leitor lhe foram conferidas por um bispo polaco, Monsenhor Dubwski, no dia 26 de outubro de 1930. As outras duas ordens menores de Exorcista e Leitor recebeu na Basílica Lateranense, em 20 de dezembro de 1930. Aos 30 de maio de 1931, recebeu o Subdiaconato das mãos de Dom Paschoal Diaz, Arcebispo da Capital do México. Recebeu o Diaconato no dia de Sant’Ana, aos 26 de julho de 1931, ordenado pelo Cardeal Marchetti Selvaggiani, Vigário do Santo Padre. A Ordenação Presbiteral, foi realizada no dia 25 de outubro de 1931, às 07h30, na Capela do Colégio Pio-Latino Americano, oficiada por Mons. Giuseppe Palica. Celebrou sua Primeira Missa no Altar de Nossa Senhora Aparecida da Igreja de São Joaquim, em Roma, dirigida pelos Padres Redentoristas. 

Já era Doutor em Filosofia e, em 1932, obtém com pleno êxito o Doutorado em Teologia. Despede-se de Roma no dia 10 de julho de 1932 e chegou a Recife no dia 12 de agosto de 1932Seu desejo era estar em Caicó no dia 16 de agosto, dia do aniversário de Mãe Quininha. Chegou antes! Seu velho avô materno, o Coronel Bembém das Oiticicas, embora com boa saúde, já não tinha esperanças de ver o seu primeiro descendente padre. Seu neto Walfredo, na carta de 11 de janeiro de 1932, escreve a Mãe Quininha: “Diga ao velhinho que só faltam poucos meses e que Deus ainda lhe dará mais vida. Estou com muita fé que o poderei abraçar e pedir que me abençoe”. De fato, isto aconteceu!

No dia 14 de agosto de 1932, Pe. Walfredo Dantas Gurgel chegou a Caicó, recebido com toda a alegria. No dia 15 de agosto, celebrando a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, cantou sua Primeira Missa em Caicó. No prédio da Prefeitura Municipal de Caicó foi oferecido um elegante banquete, sobre o qual Pe. Walfredo havia conversado com Mãe Quininha, na carta de 09 de maio de 1932: “Mamãe, não precisa preparar banquete. Basta um modesto almoço. Em vez de gastar tanto, é mais caridoso distribuir um pouco mais de esmolas com os pobres famintos que nos estendam a mão, implorando uma migalha de pão. Não convém haver muita festa quando os nossos irmãos estão em agonia”. Lembrado do conselho de seu irmão Zózimo por causa da seca, referindo-se à comemoração de sua chegada a Caicó, escrevendo a Mãe Quininha ele reitera: “É muito difícil para mim comprar a caixa de cerveja em Recife. Compre aí mesmo em Caicó, fazendo, porém, economia. Faça aluá para o pessoal”. É o homem austero que vai governar o seu povo e zelar pelo bem público! No dia 16 de agosto, celebrou Missa em ação de graças pelo aniversário de Mãe Quininha e deu a 1ª. Comunhão a duas sobrinhas: Cina Diniz, filha de Sinhazinha, e Maria do Céu Gentil, filha de Polísia.

Tendo celebrado em Caicó, é a vez de retornar à Sede da Diocese de Natal, que abrangia todo o estado do Rio Grande do Norte naquela época. Ainda não havia sido criadas as Dioceses de Mossoró e Caicó. Na cidade de Natal, vai desempenhar seu primeiro ofício: Reitor do Seminário São Pedro, por determinação de Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas. Ali ministrava aulas de disciplinas teológicas, sendo que na língua latina, como havia recebido em Roma. Como disse Dom José Adelino Dantas a Bianor Medeiros, registradono livro “Monsenhor Walfredo, um símbolo”, de autoria deste, “o assombro foi geral, o aperto medonho e houve gente que praguejou. Como o latinório saía, só Deus sabe. O professor, porém, sem perder o sorriso e a bondade, não recuou e levou assim até o fim. Explicava, argüia e dava provas escritas em latim”. 

Em 1935, Pe. Walfredo Gurgel é nomeado para sucedê-lo na Paróquia de Nossa Senhora da Guia, onde permaneceu de 18 de março de 1935 a 04 de fevereiro de 1936. De Natal, escreveu uma carta a Mãe Quininha, onde dizia de sua satisfação: “Estou contentíssimo; sei que o povo é ótimo, piedoso e amigo dos seus pastores. Para muitos padres, é a melhor paróquia do estado”. 

No ano de sua chegada a Acari, o Brasil passava pelo assombro do comunismo. Em Acari e nas vilas que eram as cidades atuais de Carnaúba dos Dantas e Cruzeta, pertencentes ao município e à Paróquia, funda com outros amigos seridoenses uma seção de identidade em cujo ideário acreditaram firmemente inúmeros brasileiros ilustres: a Ação Integralista Brasileira. O Integralismo, como era conhecido, foi fundado em 07 de outubro de 1932, por Plínio Salgado, escritor modernista, jornalista e político. A teoria do Movimento Integralista partia da trilogia “Deus, Pátria e Família” e uma de suas finalidades era o combate ao comunismo. Em Acari, Pe. Walfredo Gurgel realizou conferências e reuniões, também passeatas pelas ruas eram presenciadas aos finais de semana. O Integralismo tornou-se rapidamente forte no Brasil. Alceu Amoroso Lima, no Rio de Janeiro, e o jovem Padre Helder Camara, no Ceará, também pertenceram ao Integralismo, entre tantos nomes de destaque no Brasil. Assim como Luís da Câmara Cascudo, Dr. Antídio Guerra e Everton Dantas Cortez no Rio Grande do Norte. 

Com o estouro da Revolução Comunista em Natal e a ameaça de invasão do Seridó, era preciso defender a região. Também em Caicó foi organizado um exército de combatentes por Dinarte Mariz para a defesa que foi armada na Serra do Doutor. Pe. Walfredo Gurgel e outros companheiros da AIB rumam para o combate, não sem antes pedirem a bênção de Deus e a proteção de Nossa Senhora da Guia na Igreja Matriz do Acari. A Intentona Comunista não logra êxito no Seridó. Os invasores não esperavam que seriam recebidos com uma cerca de pedra. Ali existe um marco que assinala o ocorrido! 

A Ação Integralista Brasileira foi posteriormente extinta, em 1937, depois da instalação do Estado Novo, por Getúlio Vargas. 

Em 1936, foi designado por Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas para trabalhar em Caicó. Viria ser o Vigário da Paróquia de Sant’Ana, em sua terra de origem. Estaria, assim, ao lado de sua mãe. Sua missão não era apenas o apostolado e o magistério que exerceria no Ginásio Santa Teresinha das Filhas do Amor Divino, mas seria, sobretudo, reavivar o movimento pela criação da Diocese de Caicó. em 21 de setembro de 1929, Dom Marcolino Dantas veio a Caicó e anunciou aos diocesanos o plano de criação da nossa diocese, como já vinha sendo planejado por Dom José Pereira Alves, conforme a Carta Circular que este expediu em 22 de junho de 1925, publicada no Diário de Natal. Em 18 de outubro de 1929 foi aberto o Livro Caixa pelo Tesoureiro da comissão encarregada de angariar donativos para a Diocese do Seridó, Cel. Celso Dantas. Em 12 de agosto de 1937, por ordem do Senhor Bispo Diocesano, Dom Marcolino Dantas, Pe. Walfredo Gurgel dá quitação às contas que lhe foram entregues por esta comissão.

1934, no entanto, foi o ano em que se deu início efetivo à Organização de Comitês Permanentes para aquisição do patrimônio da futura Diocese do Seridó. No Termo de Abertura do Livro de Ouro para as assinaturas do generoso povo norte-riograndense, em favor do Patrimônio da futura Diocese do Seridó, com data de 17 de setembro de 1934, Dom Marcolino Dantas escreve que o Santo Padre Pio XI acabava de criar a Diocese de Mossoró. Infelizmente, não foi possível a criação, ao mesmo tempo, da Diocese de Caicó. Uma parte do patrimônio já se encontrava constituída: cem contos de réis em apólices estaduais. Faltavam a Residência Episcopal e cem contos de réis de apólices federais. 

Pe. Walfredo Gurgel, Vigário de Caicó, a partir de 1937, tomou a peito a aquisição do restante do patrimônio que tornaria o Seridó apto para ser a nova circunscrição eclesiástica do Rio Grande do Norte. O Vigário de Caicó contribuiu pessoalmente com $ 500.000,00 (quinhentos mil réis), como também o Pe. Antônio Avelino com a mesma quantia. Pe. Walfredo Gurgel conseguiu também uma considerável soma junto a seus familiares e afins da Família Dantas das Oiticicas. Neste mesmo Livro de Ouro, além da doação de $ 200.000,00 (duzentos mil réis) de Mãe Quininha, está registrada, com a letra de Pe. Walfredo Gurgel, a anotação de 724$000 réis recebidos de “Dramas realizados sob a responsabilidade de D. Joaquina D. Gurgel” com a finalidade de reunir mais recursos para que o sonho fosse realizado. Também $ 300.000,00 (trezentos mil réis) angariados por José Gonçalves de Mello, esposo de Rita Enedina Dantas, irmã de Mãe Quininha. 

Em 25 de novembro de 1939, o Papa Pio XII emitiu a Bula “E Dioecesibus”, pela qual era criada a Diocese de Caicó, cuja instalação se deu no dia 28 de julho de 1940, por ocasião da Festa de Sant’Ana de Caicó.  Foi ao Pe. Dr. Walfredo Gurgel, Vigário da Paróquia cuja Matriz agora era a Catedral da nova Diocese, que coube a leitura da Bula Pontifícia. Em seguida, ele usou da palavra para dizer do contentamento e da satisfação do povo seridoense e, principalmente, dos caicoenses pelo que assistiam naquele momento. 

A Posse do primeiro Bispo de Caicó, Dom José de Medeiros Delgado, aconteceu no dia 26 de julho de 1941. A criação e a instalação da Diocese do Seridó com sede em Caicó e a chegada do Primeiro Bispo podem ser considerados um marco que divide a história de Caicó em antes e depois. Logo depois de tomar posse, Dom José Delgado inicia os trabalhos de construção do Ginásio Diocesano Seridoense, do qual Pe. Walfredo foi nomeado primeiro Diretor e professor de várias disciplinas, também contador, administrador da obra em andamento e treinador dos times de futebol. O Ginásio Santa Teresinha e o Ginásio Diocesano Seridoense foram os palcos de sua atuação como exímio educador.

Em 1º. de agosto de 1941, o Pe. Dr. Walfredo Dantas Gurgel foi nomeado Consultor Diocesano. Em 04 de janeiro de 1942, Dom José Delgado renova por mais um ano sua provisão como Vigário de Sant’Ana de Caicó. E em 24 de dezembro de 1943, nomeia o Cônego Dr. Walfredo Gurgel para ser o primeiro Vigário Geral da Diocese de Caicó, o que lhe mereceu a dignidade de Monsenhor em razão do ofício que passou a exercer. Estes eram sinais inequívocos da confiança que o novo bispo tinha em Mons. Walfredo, de quem fora contemporâneo no Pio-Latino Americano, em Roma.

Convidado por membros do Partido Social Democrático, Mons. Walfredo ingressa nas suas fileiras políticas e passou a integrar o Diretório Regional, presidindo-o em todo o Seridó, tendo Caicó como sede. Havia sido convidado para ingressar na UDN, mas havia agradecido e recusado o convite. No entanto, a habilidade de Georgino Avelino convenceu-o a trabalhar pelo seu povo noutra frente. Em 1945, Dom José de Medeiros Delgado concedeu a Mons. Walfredo a licença canônica para candidatar-se a Deputado Federal. A petição de Mons. Walfredo foi acompanhada de um documento do Bispo de Natal atestando que concederia permissão ao Pe. Expedito Sobral de Medeiros para substituir Mons. Walfredo durante sua ausência de Caicó. 

Quando estava em plena campanha, recebeu uma carta de Dinarte Mariz considerando a “Mensagem ao Povo do Sertão”, que havia sido distribuída em Caicó pelo PSD. É uma correspondência em que o remetente, reconhecendo o espírito evoluído do destinatário, acusa-o de ter sido chamado pela polícia, no Governo Vargas, como suspeito de atividades quinta-colunistas, evocando que Monsenhor fora integralista; de ser um vigário desobediente às determinações de Dom José Delgado quanto à política partidária; de estar fazendo propaganda política no Ginásio Diocesano. 

Monsenhor Walfredo, em carta de 02 de setembro de 1945, responde a Dinarte Mariz dizendo que não lhe causaram surpresa os dizeres de sua missiva de 27 de agosto e que responde com satisfação os vários tópicos de sua carta: Como sacerdote e como simples cidadão, sempre condenei a absorção da pessoa humana pelo Estado, o que constitui a essência nos regimes totalitários. Sobre pretensas atividades quinta-colunistas, pelas quais fui chamado a comparecer perante a polícia do Dr. Getúlio Vargas, você está enganado. A Política era do Dr. Rafael Fernandes, seu correligionário, e o motivo não era quinta-colunista, como você bem sabe. Você fala, ainda, sobre recomendações do Exmo. Sr. Bispo aos vigários, por mim desrespeitadas. Neste particular, só ao Sr. Bispo tenho de prestar contas das atitudes que assumir, e não a leigos que se dizem católicos e não praticam a Religião. Diz você que tenho feito campanha política no Ginásio Seridoense. Você, mais uma vez, está mal informado. Um dia reconhecerá ser falsa e injusta esta acusação leviana contra minha humilde e desinteressada colaboração à obra educacional da mocidade da nossa terra”. 

Nas eleições de 02 de dezembro de 1945, quando completava 37 anos, Mons. Walfredo Gurgel foi eleito Deputado Federal pelo PSD. No entanto, o Pe. Expedito Sobral de Medeiros não havia sido enviado para substituí-lo, como Dom Marcolino Dantas havia prometido. Mesmo depois de ter sido diplomado, Mons. Walfredo colocou-se à disposição da Diocese de Caicó para renunciar ao cargo de Deputado Federal e retornar às suas atividades pastorais, colaborando com o primeiro bispo diocesano. Mas foi o próprio Dom José Delgado que o aconselhou a assumir o seu mandato e participar da Assembléia Constituinte e defender os valores propostos pela Igreja. Antes de ser um político, Mons. Walfredo era o sacerdote que veio a ingressar nas fileiras do PSD. Havia antes ingressado nas fileiras de Cristo e, com certeza, sem a aquiescência de Dom José Delgado não teria disputado nenhum cargo. Era um sacerdote obediente e fiel à Igreja. 

Como Deputado Federal, presenciou a cassação dos mandatos dos deputados do extingo Partido Comunista Brasileiro e participou da Assembléia Nacional Constituinte, promulgada em 18 de setembro de 1946. Em 1950, foi novamente candidato a Deputado Federal pelo PSD, aliás, foi sempre pessedista. Ficou na 1ª. suplência, tendo sido convocado por dois anos. Em 1958, foi novamente candidato ao mesmo cargo, ficando outra vez na 1ª. suplência, mas não sendo convocado. Neste período, era novamente Diretor do Ginásio Diocesano Seridoense. 

Aluízio Alves, na entrevista dada à TV Universitária, dentro da série “Memória Viva”, fez questão de ressaltar a lealdade e o desprendimento político de Mons. Walfredo e lembrou um fato ocorrido quando eles estavam na Câmara Federal. Aluízio, naquela época, era filiado à UDN e apresentou à Câmara Federal o projeto para trazer a energia de Paulo Afonso para o Rio Grande do Norte. A bancada do PSD, então adversária ferrenha, posicionou-se contra. Não iriam dar munição eleitoral ao inimigo. Todos foram contra, menos Mons. Walfredo. Sobrepondo a tudo o espírito público, reagiu com firmeza: “Absolutamente. Nós não vamos prejudicar o Rio Grande do Norte só para não beneficiar politicamente Aluízio. Se a idéia é dele, é para beneficiar o Estado”. Aluízio, na entrevista, fez questão de enfatizar que os dois até nutriam, reciprocamente, certa antipatia.

Convém registrar que, mesmo Deputado Federal, não deixou de ser o Vigário Geral da Diocese de Caicó. Com a nomeação de Dom José de Medeiros Delgado como Arcebispo de São Luís do Maranhão, Mons. Walfredo foi eleito Vigário Capitular, o que hoje corresponde a Administrador Diocesano “Sede Vacante”, aquele que governa a diocese provisoriamente, até que seja nomeado o novo bispo. O segundo Bispo de Caicó foi Dom José Adelino Dantas, que havia sucedido o jovem Pe. Walfredo Gurgel na Reitoria do Seminário São Pedro de Natal. Dom José Adelino reconduziu Mons. Walfredo ao cargo de Vigário Geral. Em 1955, Mons. Walfredo recebeu da Santa Sé a dignidade de Monsenhor Camerário de Sua Santidade. Com a transferência de Dom José Adelino para a Diocese de Garanhuns, vacante pela morte de Dom Expedito Sobral Lopes, que fora assassinado pelo Pe. Hosana de Siqueira e Silva, Mons. Walfredo Gurgel foi novamente eleito Vigário Capitular pelos Consultores Diocesanos. Dom Manoel Tavares de Araújo, em 17 de maio de 1959, no mesmo dia em que tomou posse como Terceiro Bispo Diocesano de Caicó, nomeou Mons. Walfredo como Vigário Geral.

Em 1960, numa coligação partidária que reuniu PCB, PS e PTN, foi eleito Vice-Governador do Rio Grande do Norte, cargo que acumulava também a Presidência da Assembléia Legislativa do Estado. Durante os impedimentos do Governador Aluízio Alves, assumiu várias vezes a Governadoria do Estado. Porém, não chegou a concluir seu mandato porque, nas eleições de 03 de outubro de 1962, candidato pela Cruzada da Esperança, foi eleito Senador da República, tomando posse em 01 de fevereiro de 1963, e passou a residir em Brasília. No Senado, integrou as Comissões de Educação e Cultura, de Orçamento do Distrito Federal, de Legislação Social e de Redação; exerceu ainda a vice-liderança do PSD na Câmara, sempre se conduzindo com equilíbrio e altivez, conquistando, por isso, a simpatia e o respeito de todos, correligionários ou não. Em 1963, viajou a Europa como integrante da Delegação do Senado Federal para participar da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, na Suíça. 

Também desta vez Mons. Walfredo não chegou a concluir seu mandato, pois foi convocado para ser candidato a Governador do Rio Grande do Norte. No dia 19 de junho de 1965 foi lançada a sua candidatura e, novamente pela Cruzada da Esperança, no dia 03 de outubro daquele ano, foi eleito Governador do Estado do Rio Grande do Norte com uma maioria de mais de 27 mil votos sobre Dinarte de Medeiros Mariz, que retornou para o exercício de seu mandato no Senado Federal.

No discurso de sua posse, realizada em 31 de janeiro de 1966, Mons. Walfredo lançou as bases de seu governo e disse: “A propósito de paz e de tranqüilidade, voltamos a afirmar o que já declaramos reiteradas vezes desde a campanha eleitoral: a conduta política do governo será pautada no sentido de prestigiar os correligionários, os bravos companheiros da Cruzada da Esperança, dispensando, entretanto, o respeito devido aos adversários. Assumimos o Governo sem qualquer sentimento de ódio ou de rancor, sem qualquer mágoa ou ressentimento de ataques que sofremos no calor do embate eleitoral. Por um dever de lealdade, temos a firme disposição de trabalhar ao lado dos bravos companheiros da querida e invicta Cruzada da Esperança, mas temos também o propósito de colaborar para que haja um desarmamento de espíritos, a fim de que possamos ser o Governador de todos os potiguares e possamos trabalhar com afinco para corresponder aos anseios do povo do Rio Grande do Norte, que, pela sua esmagadora maioria, depositou em nossas mãos os destinos da terra comum. Confiamos em Deus que nosso coração jamais abrigará qualquer sentimento que não seja o do amor ao próximo, particularmente aos mais humildes, aos mais sofredores”.

Sua responsabilidade pelo patrimônio público era tanta que lhe foi dado um trocadilho que, antes de agredi-lo, honrava-o. Deixou de ser “Monsenhor” para ser “Não Senhor”, em razão das negações que teve que dar aos pedidos que lhe foram feitos sem que o Estado tivesse condições ou mesmo a responsabilidade de atender. Isto causou descontentamento nos próprios correligionários, mas, com o passar do tempo, deu provas sucessivas de retidão de caráter. Homem inteligente e honesto, buscou, acima de tudo, governar com simplicidade. Jamais procurou alianças em troca de benefícios. Enquanto muitos queriam promover a própria imagem, ele fugia da ostentação, tanto que proibiu, pela Lei nº. 3.796, de 17 de dezembro de 1969, a colocação os nomes de quaisquer que fossem as autoridades nas placas de obras públicas, inclusive e primeiramente o seu próprio, nome que ecoa ainda hoje com saudade e respeito. 

Na entrevista concedida ao jornalista João Batista Machado, publicada no Diário de Natal de 05 de dezembro de 1971, o próprio Governador Mons. Walfredo, no último dia de seu mandato, entregou-o ao julgamento do povo. Dentro das possibilidades financeiras do Rio Grande do Norte, procurou realizar um bom governo. Considerou a construção da nova ponte de Igapó e a construção do Hospital Geral do Pronto Socorro de Natal suas maiores obras. Disse que deixava o governo sentindo-se feliz pelo que pode realizar pelo Rio Grande do Norte. Ao ser interrogado se aceitaria novamente governar o estado, Monsenhor disse que os mais velhos devem dar lugar os mais jovens, que têm mais condições do que ele de servir ao Rio Grande do Norte; já havia cumprido sua missão. Quando perguntado o que faria depois da posse do novo governador, Mons. Walfredo disse querer passar uns dias na Bahia e, depois, fazer um passeio de 45 dias pela Europa. Ao retornar, não fará outra coisa senão resgatar suas leituras, que ficaram interrompidas nos últimos cinco anos de governo. Vai se encontrar novamente com Machado de Assis e Érico Veríssimo, dos quais tanto gosta. É candidato ao sossego!

Durante seu governo, foi o mesmo homem simples. Usou seu carro particular, um fusca, para cumprir os seus compromissos sociais ou mesmo para ir celebrar a Santa Missa ou administrar os sacramentos a quem lhos pedisse. Era interessante ver o Governador do Estado do Rio Grande do Norte, com toda simplicidade, deslocar-se para qualquer lugar dirigindo seu próprio automóvel. Afinal, ele entendia que o desempenho da grandiosa e sublime missão de sacerdote da Igreja de Cristo exige serenidade, compreensão, amor e, principalmente, simplicidade, desprendimento e espírito de renúncia. 

Os principais colaboradores do Governo de Mons. Walfredo Gurgel foram Heyder Pinheiro de Moura, Jahir Nogueira de Lima, Antônio Cácio de Medeiros, José Dias de Souza Martins, Moacir Tavares Rolin, Luciano Véras, Zuleide Ferreira Barabalho, José Ferreira de Souza Sobrinho, José Estevam Mosca, Fernando Bezerra, Luiz Gonzaga Meira Bezerra, Ernani José Varela de Melo, Zilda Lopes do Rêgo, Jarbas Bezerra, José Daniel Diniz, Rômulo Galvão, Ilma Melo e Wober Lopes Pinheiro. Estes e tantos outros, que o Monsenhor conquistou pela firmeza de sua palavra e a riqueza de sua personalidade, ajudaram-no a realizar um mandato marcado pela paz que fez tantas realizações no estado do Rio Grande do Norte em diversas frentes: terra e campo, água e esgotos, energia elétrica, crédito, habitação, educação, saúde, água e solos, rodovias e estradas, cultura, finanças, indústria e ação social. 

Se em outros anos o dia 03 de outubro foi uma data de muitas alegrias políticas, em 1971 foi uma data difícil, quando foi diagnosticada a gravidade do seu estado de saúde. Forte, corado, robusto, era homem típico de fibra longa do sertão do Seridó. Era um Dantas das Oiticicas, fibra que enverga, mas não quebra, embora sobressaísse o sobrenome da família Gurgel. Começou a sentir uma pontada debaixo do braço. Uma segunda radiografia confirmou o indesejado laudo da primeira. Foi ao Rio de Janeiro, onde passou cerca de 10 dias, em companhia de José Daniel Diniz, seu sobrinho. Ao retornar, já não conseguia andar. Começou a ter dias alternados entre a lucidez e a inconsciência. 

Num de seus momentos de consciência, chamou seus irmãos Zózimo, Sinhazinha e Polísia, que ali estavam. Disse-lhes que não havia feito seu testamento, mas queria que sua vontade fosse respeitada. Era padrinho de um filho de cada um deles e gostaria que cada um dos afilhados recebesse como herança um imóvel. A Pedro, filho de Zózimo, coube a sua parte na casa da Praça da Matriz de Caicó, onde morava Mãe Quininha; a Cina, a casa onde ele morava, em Natal, em companhia de sua irmã Sinhazinha; a Gentil, a casa que ficava na esquina da Felipe Guerra com a Amaro Cavalcanti, a rua da Cadeia Velha. E assim foi realizado! No livro “Monsenhor Walfredo, um símbolo”, Bianor Medeiros reproduziu os bens que deixou ao morrer. É gratificante saber que Mons. Walfredo não fez da política um patamar para conquistar riquezas pessoais, nem se aproveitou ilicitamente dela para desviar recursos públicos em benefício de si em nome próprio ou de outros.

Vítima de câncer no pulmão com metástases ósseas, Mons. Walfredo Dantas Gurgel faleceu às 10h20 do dia 05 de novembro de 1971, em sua residência, localizada na Rua Afonso Rique, nº. 1005, assistido pelo médico Genibaldo Barros. Ao meio dia, o Governador Cortez Pereira fez um emocionado discurso por 10 minutos, transmitido pelo rádio: “Mons. Walfredo Gurgel iniciou a governar este pobre e hoje sofrido Rio Grande do Norte quando os desentendimentos nos separavam muitas vezes, quando a discórdia nascia no nosso meio. Nesta circunstância, veio para governar o Mons. Walfredo Gurgel. E com o seu exemplo, a sua bondade e com a sua mensagem humana, terna, conseguiu fazer com que as coisas se modificassem neste Estado. (...) Foi ele, realmente, que plantou entre nós a paz, a concórdia, a harmonia”. 

O féretro foi conduzido para o Palácio Potengi, onde foi recebido pelo Governador Cortez Pereira e seus auxiliares. O corpo de Mons. Walfredo Gurgel, envolvido com as vestes sagradas com que foi ordenado sacerdote, foi velado a noite inteira por seus familiares e por todo o povo que, em fila, ali entrava.

Na manhã do dia 05 de novembro de 1971, o féretro foi transladado para a Catedral Metropolitana de Natal, onde foi celebrada a Santa Missa pelo Arcebispo, Dom Nivaldo Monte. Em seguida, seguiu em cortejo para Caicó, onde seria sepultado, com rápidas paradas nas cidades do Seridó. O cortejo fúnebre chegou a Caicó pelo meio dia. Logo formaram-se filas intermináveis na frente da Catedral. Os sinos de Sant’Ana choravam naquele toque de luto. Assim como o povo natalense, o povo de Caicó e os seridoenses ali reunidos queriam despedir-se também do ex-governador, mas muito mais do padre que havia batizado a tantos, abençoado o matrimônio de muitos outros, de quem tinham sido alunos. 

Às 15 horas, Dom Manuel Tavares iniciou a Santa Missa das Exéquias do Vigário Geral da Diocese de Caicó, com a presença do Arcebispo Metropolitano de Natal e o Clero Seridoense. Antes do sepultamento, muitos políticos presentes fizeram uso da palavra para ressaltar virtudes pessoais do Monsenhor e qualidades políticas do ex-governador. Às 16h15, o corpo de Walfredo Dantas Gurgel, sacerdote de Deus, era sepultado na mesma Igreja onde fora batizado e crismado, cantara sua Primeira Missa no Brasil, fora Vigário e instalara a Diocese de Caicó. 

E ali, sob o olhar de Sant’Ana doce e clemente, está seu corpo até os dias atuais, na expectativa da Ressurreição, guardado pela prece dos seus familiares e amigos, dos seus conterrâneos e daqueles que visitam seu túmulo e elevam a Deus uma oração de agradecimento pelas dádivas com que o enriqueceu para ser quem foi. Quem chega para rezar, é recebido por uma fotografia que o reproduz sereno e plácido como sempre procurou ser e, na lápide branca com letras negras, lê: Sua morte nos deixa mais carentes, entretanto, mais firmes na fé. Sua morte é a oferenda espiritual do homem que se prosterna diante do poder mais alto e diz: Senhor, eis o meu corpo, eis a matéria com que servi aos meus irmãos; eis as mãos com que lealmente dirigi com amor e honestidade o meu povo; eis a minha alma em que guardei o respeito ao meu próximo, a humildade diante da vida e o culto à verdade e aos valores divinos”.

As lições de tudo o que ensinou e viveu como sacerdote, educador e político são a razão da homenagem que lhe é prestada por ocasião do seu centenário de nascimento. Ele também escreveu o nome de Caicó no cenário nacional. Honrou a sua terra, fez jus às suas origens sertanejas, não se envergonhou de ser nordestino. Certamente, com a humildade que lhe era peculiar, acharia desnecessária qualquer comemoração em torno de sua pessoa. Evocaria, naturalmente, a palavra de Cristo consignada por Lucas no seu Evangelho: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). Mas é a Sagrada Escritura que nos impõe esta missão e não permitiria que os 100 anos do seu nascimento fossem esquecidosou passassem sem que sua vida e suas obras fossem recordadas: “Vamos fazer o elogio dos homens famosos, nossos antepassados através das gerações. Estes são homens de misericórdia; seus gestos de bondade não serão esquecidos. Seus corpos serão sepultados na paz e seu nome dura através das gerações. Os povos proclamarão sua sabedoria e a assembléia vai celebrar o seu louvor” (Eclo 44,1.10.14-15). 

Nós, sim, diante das homenagens que lhe são prestadas, dizemos: “Fizemos o que devíamos fazer”.


sexta-feira, novembro 27, 2015

COM LICENÇA, JARDIM!

COM LICENÇA, JARDIM!

Não vejo folhas, apenas garranchos e, nesse emaranhado de rabiscos da natureza, leio que Deus escreve certo por linhas tortas. Chego devagar, passo debaixo de algumas árvores velhas, sedentas e caídas, que parecem ter ido embora, buscar água, a algumas léguas. O espírito da vida voltará e sustentará toda raiz, enquanto as nuvens não desfilam cinzentas, no céu de anil. O inverno vai devolver a alma da gente, que a estiagem carregou.
A porteira está aberta, o caminho é íngreme e quem chegar ao alto daquele serrote verá que existe um calvário que sangra esperança. Quando descer, vai notar que essa cruz é a força que move o povo a não desistir. Quem nasceu no Seridó tem músculos treinados por um peso que é suave, por um fardo que é leve (cf. Mt 11,30). É doce viver nesse mártir sertão.
O vento se esconde nas locas das cercas de pedra, para passear, de noite, cochichando pelas calçadas, entre as cadeiras dos que palestram. Quando vão voltando, esses ventos se esfregam nos arames que ainda restam nas estacas, como uma mão que toca as cordas de um bandolim desafinado. Quem já dorme jura escutar o último canto da natureza, para acordar disposto a tocar a vida, nesse tempo, quase impossível da terra.
Com licença, meu sertão. Sou seu filho, de rosto ainda salgado, pelo mar que não naveguei. Não vou arrancar suas flores. Vim da cidade grande para me devolver a esta povoação. Sou um filho deste rincão potiguar. Vou aguar o canteiro dos meus antepassados. Junto daquelas oiticicas, deixei amarrado um jumento. Na sombra das umburanas, vou tirar minha botija, pois aí é meu lugar. Vou bater de porta em porta e desencavar o sorriso que a seca trancou. Se eu chorar, chore comigo e, quem sabe, a chuva chega.
Não tenha medo de mim. Olhe para meu rosto e veja que eu sou a sua cara, a cara do povo que vive nesse jardim. Vim pagar uma promessa e, nessa romaria, vou assoviar um canto de esperança, de amor e de fé.


@gleiberdantas – Rcf, 26/11/15.